Ontem à noite, à saída de um bar em Ponta Delgada, fui abordada por um jovem na casa dos 30 e poucos, da Ribeira Grande.
A conversa começou com "Posso fazer-te uma pergunta, na boa?", eu obviamente respondi que sim, mesmo sabendo que quando a abordagem começa desta maneira, pergunta de "tarelo" não há de ser. E não foi.
- Porque é que és tão contra as Touradas na Ribeira Grande e não contra as Cavalhadas?
Respondi que não via as Cavalhadas há uns 10 anos. E ele continuou: "Sabes que os cavalos são maltratados e outros até morrem depois?", ao que respondi que tinha noção que fosse de todo possível que acontecesse mas que na verdade não tinha conhecimento.
"Mas devias saber, porque é uma tradição da tua terra em vez de te preocupares com as Touradas."
Ora aqui está um ponto importantíssimo.
Se, segundo o rapaz em causa, temos uma tradição que merece atenção e alterações de algumas "regras" em prol do bem estar animal, porquê importar outra?
Crescemos a ver as Cavalhadas. As crianças até nem vão ver as Cavalhadas em si mas sim os cavalos. Muitos olham para o cortejo como um todo e esquecem-se que são pessoas que montam animais, que não sabemos o que se passa antes ou depois. Vemos a parada, voltamos para casa e só voltamos a pensar no assunto no ano seguinte.
É muito mais fácil aperceber-mo-nos de tudo o que está à volta de uma coisa, como as Touradas ou outra qualquer, quando é uma coisa que não faz parte de nós e nos é estranha.
No outro dia vi que na Índia atiram os bebés de uma certa altura, caído num pano que algumas pessoas seguram. Supostamente o "ritual" tem como finalidade dar sorte ao bebé.
É uma tradição entranhada na Índia, para eles faz todo o sentido e mesmo os bebés que crescem e se tornam seres miseráveis, sem sorte nenhuma hão de continuar a fazer o mesmo aos filhos.
É uma tradição para eles importante e que faz sentido? É.
Se para nós faz sentido e queremos importa-la? Não me parece.
Tentei então explicar ao jovem que, para além das Cavalhadas temos muita coisa na sociedade que precisa ser alterada, pensada e repensada, por isso devemos que prevenir a "entrada" de outros problemas. Se o mundo todo se mobiliza para acabar com qualquer tipo de tourada, por todas as coisas que isto implica, porque é que São Miguel tem de ir no caminho contrário?
Até aqui tinha explicado a minha posição e pensei que a conversa de baseava nisto, trocas de opiniões que divergem em alguns pontos. Ele achava que era urgente intervir nas Cavalhadas, eu achava que era prioritário impedir a entrada de outra tradição que precisasse de "arranjos".
Toda gente tem direito a expressar a sua opinião, seja ela certa ou errada.
Eu também passo a vida a pedir aos apreciadores de touradas que me tentem explicar qual é a piada e beleza daquilo, não seria por isso que se deixaria de ter uma conversa civilizada.
A conversa descambou quando o jovem me pergunta "Mas porque é que não fazes nada em relação às Cavalhadas?"
É o tipo de pergunta que não tolero nem suporto a não ser que a pessoa já esteja fisicamente incapacitada ou senil. Perguntei-lhe se achava mesmo que deveria ser feito algo em relação às Cavalhadas e respondeu-me "Claro, tu e os teus amigos deviam fazer qualquer coisa."
Perguntei-lhe então se conseguia ouvir-se a si próprio. Por que teria de ser eu e os meus amigos? Por que não poderia ser ele e os dele? Ou ainda nós todos juntos? São tão cidadãos como eu, podem e devem ter um papel activo na sociedade.
Meio atrapalhado respondeu-me que não tinha paciência.
Perguntei-lhe se ficava sempre à espera que fossem os outros a fazer alguma coisa por ele.
O típico rapaz da chamada geração de chumbo do pós 25 de Abril, ficou a olhar para mim como se estivesse a ouvir tais palavras pela primeira vez na vida, e se calhar até estava! Disse-lhe que como cidadão, tem liberdade para se fazer ouvir e criticar o que está bem mas também e tentar mudar o que está mal. Somos nós que fazemos a sociedade em que vivemos e é nossa responsabilidade fazer parte dela de uma maneira activa e não sermos comandados ao sabor de quem governa.
Respondeu-me que não tinha paciência, que haviam muitos lobbys e só me estava a dar uma dica.
Pois há, mas ele escolheu fazer parte desses lobbys quando arranjou um belo tacho e agora ficou de cú preso e boquinha calada. Resta-lhe abordar pessoas para "dar dicas" e pedir que A ou B e os seus amigos façam alguma coisa em relação a X e Y.
É sempre triste ver as pessoas a criticarem tudo e nunca darem a cara por nada. Com medo disto e daquilo, e agora até com a desculpa da falta de paciência, que é mais deprimente do que assumir que não se tem coragem de por o tacho em risco.
Que tenhamos opiniões e visões diferentes sobre qualquer assunto, é questão de discuti-las e debatê-las mas ficar sempre à espera que sejam os outros a fazer alguma coisa, nunca mais vamos a lado nenhum.
Queremos sempre mudar o mundo sentados à mesa do café a beber umas minis e comer uns tremoços. Refilamos porque isto é assim, aquilo é assado. É estúpido fazerem aquilo, deviam era fazer isto. As pessoas deviam dizer isto, as pessoas deviam fazer aquilo.
Toda gente fala, toda gente quer mudar, mas na hora de dar o corpo e a cara ao manifesto foge tudo e ficam à espera que sejam os outros a fazer por eles.
Deixo a Ribeira Grande, São Miguel, os Açores e Portugal na esperança que as gerações futuras
prefiram morrer de pé a terem que viver sempre ajoelhadas!
Cassilda Pascoal
http://arquipelagodosanimais.blogspot.com/